Barrancos e Moura

Neste estudo, apresentam-se os primeiros resultados da revisão da epigrafia da parte portuguesa do antigo território da Baetica, levada a cabo entre 2016 e 2019, no âmbito do projeto FFI2016-77528-P do Ministerio Espanhol de Economia y Competitividad (FEDER). Tendo em conta os argumentos esgrimidos em trabalhos anteriores, recuperamos a fronteira da Baetica estabelecida por Hübner em CIL II, que se situava no rio Guadiana. Considerou-se assim necessário incorporar as inscrições do território Português da margem esquerda do Guadiana, no conventus Hispalensis, como tal, neste estudo apresentam-se os resultados deste trabalho nos concelhos de Barrancos e Moura.

Em relação ao concelho de Barrancos, foi encontrada parte de uma ara que assume particular importância por ser o único monumento epigráfico (ainda que não se saiba se alguma vez foi gravado) conhecido até agora neste concelho e que vem trazer novos dados para se documentar a história daquele território no período romano. Enquanto monumento epigráfico, há que destacar o facto de ser um exemplo de ara interessante pelas suas grandes dimensões. Sendo um monumento epigráfico único no atual concelho de Barrancos, há que destacar a sua relevância para se entender esse espaço, em conjunto com Encinasola, talvez como um ponto de articulação entre os territórios de Nertobriga e de Arucci.

Moura foi identificada com Arucci Nova a partir da leitura que Resende fez da inscrição CIL II 963, uma identificação errónea como demonstrou Hübner. Depois disso, o espaço ocupado pelo concelho de Moura foi adscrito a diferentes cidades hispano-romanas: podia ter sido uma cidade cujo nome desconhecemos (Alarcão 1990), ou talvez fosse um ager de Pax Iulia (Alarcão 1990a e Lopes 1996, 68). Não obstante, em opinião de Ramírez Sádaba (n. p.) trata-se de um território rústico, sob a jurisidição de Arucci, porque de outro modo não se poderia explicar a dedicatória feita a Agripina pela civitas aruccitana[1].

Os Antiquiores só registaram três inscrições, uma transmitida desde o séc. XVI pelos autores do Antiquus Baeticus, Morales e Resende, e outras duas por Cenáculo, em finais do séc. XVIII (uma delas proveniente de Sobral da Adiça, longe do núclo urbano). Hoje, conhecem-se 16 inscrições (as que constam desde catálogo), mas 13 delas foram encontradas esporadicamente e de forma dispersa, a partir de 1896; a maior parte tinha sido já recolhida por Encarnação em 1990.

Nos comentários e variantes de leitura, optámos por fazer uma seleção das variantes que constam do aparato crítico, mencionando apenas as que considerámos que dão um contributo significativo para a edição e compreensão da inscrição.

O conjunto é composto por oito aras, duas estelas, uma placa, uma cupa, uma base de estátua, dois instrumenta e um suporte que só podemos classificar como indeterminado.   

Há que destacar que, além do suporte cerâmico dos instrumenta, que todos os outros suportes são feitos de mármore, com exceção de uma estela que é de xisto. Isto está em consonância com a riqueza característica da Betúria Céltica, sendo notável que o mesmo se tenha produzido no ager aruccitanus.

Outro aspeto a salientar é que, à exceção da base dedicada a Agripina, todas as inscrições são funerárias, o que é natural, se considerarmos que estamos no ager e não no núcleo urbano; além disso, e ainda que se possa considerar uma coincidência, existe em Moura uma número de aras funerárias e de estelas semelhante ao que conhecemos em Arucci (8 e 2, em ambas), o que permite dizer que os seus habitantes seguem os mesmos padrões nos dois lugares.

A cronologia também confirma a penetração da romanização e dos seus rasgos característicos. A inscrição mais antiga é precisamente a base dedicada a Agripina, entre os anos 54-59 d.C. As restantes, exceto uma peça do séc. I d.C., são de datações posteriores: cinco do séc. II, duas datáveis entre finais do séc. II e início do séc. III, e outras três do séc. III. De facto, é uma cronologia lógica porque a ara funerária é um monumento que se generaliza no séc. II: um monumento rico, de grande dimensão, próprio de uma população bem estabelecida, que vive no século mais florescente do Império Romano.

A onomástica, ainda que seja predominantemente romana, conserva nomes indígenas, de filiação indo-europeia, testemunho do referido processo de romanização e coincidente com a evolução das cidades betúricas (Ramírez Sádaba 2001, 227-240). Ainda que a amostra seja residual, com apenas um único testemunho, na estela de Caeno Aleonicus, o defunto é um indígena onomasticamente puro, semelhante a Segumarus Talabari f. de Arucci (HEp 3, 1993, 201).

 



[1] Houve duas alternativas à proposta de identificação da Nova Civitas Aruccitana: alguns autores, desde o séc. XVI, defenderam que o pedestal tinha sido encontrado na serra de Aroche; enquanto outros, sugeriram que a inscrição tinha sido trazida de Aroche para Moura. As duas explicações foram forçadas a uma identificação com Aroche. Sobre esta questão e a sua atribuição a Moura vejam-se Carbonell Manils – Gimeno Pascual 2016 e 2017.